Urbi Et Orbi

Eu brincando de Italo Calvino.

ESCRITOS

2 min read

  1. Os passos do velho na rua molhada afirmam o silêncio. Silêncio é o que sai dos homens que dormem ou divagam, os planos e as recordações são o silêncio. Era a sua longa noite que ia pelo meio, espalhando-se já bem além dos muros da sua cidade.

  1. Na torre que recorta o céu dossel do deserto, o menino à janela apalpa escolhas. As escolhas do deserto são noturnas e gostam de se alimentar dos sonhos dos homens que dormem entre os muros da cidade.

  2. Sentada em um banco sinuoso de um dos vários jardins da cidade, a moça olhava as folhas caírem lembrando o amor. Não pelas folhas, que às moças apaixonadas tudo lembra o amor, mas sim pelo outono de todo amor de todos os jardins daquela cidade.

  3. Toda cidade tem os seus pobres arruando sem história por vielas de memória. Ele não mora na cidade. Ele tem os seus cantos, onde a cidade o acolhe em perniciosos momentos. De musgo ou orvalho. Porém é a ele que a cidade faz os seus sacramentos; e partilham suas cicatrizes. Ele tem da cidade o mais íntimo, o que ela dá amante devassa e perversa. Só que então ele está velho...

  4. Quando súbito se fez grande, a cidade era pequena em obras e limites e mal e mal o podia conter. Mas uma vida atrás ela era tão grande que aos seus olhos fim não tinha. E assim permanecem todos os recantos que ele não mais visitou desde então.

  5. Patranha cidade, com seus corpos amoucos, assaz parvoentos, rodeando de poeira de demolição suas igrejas e bordéis e soterrando-se nos destroços junto com os avôs e as crianças. Quem a sobrevoava via apenas uma nuvem pousada sobre o seu sítio. Um dia não há mais esta gente, e nem a cidade, mas estarão sempre no chão, como cicatrizes, os seus fundamentos.

  6. Era a mais bela a sua cidade, mas não existe verdadeiro amor até que se tenha a sensação da volta. Assim partira um dia até o outro lado do mundo, para melhor amar a sua cidade, agora um pouco estrangeiro.

  7. Atravessando o deserto, após as geladas cordilheiras, chega-se à cidade das altas torres de onde, diz-se, se enxerga todo o mundo. A cidade dos parques onde se sentam os velhos, com os cachorros aos seus pés, olhando as crianças que brincam e pensando: o que os fez atravessar o deserto um dia? e dizem: bravos os cães que nos seguiram por desinteressado cuidado. Lindas as crianças que aqui nasceram e não se incomodam com o silêncio das flores.

  8. Se fora uma metáfora, ou até mesmo várias... mas houve fortes e doces verbos a ecoar pelos cantos da cidade. -As metáforas se criam no quintal, verbos só os menorzinhos.- Então deixou sua cidade um dia a princesa com suas metáforas, e se foi com os verbos. Não soube nunca mais ficar naquela cidade e seguiu por outras criando as metáforas da sua cidade.