Uki-goshi: o golpe que me ensinou a cair, a flutuar e a voltar

Sempre achei curioso como o judô, uma arte marcial tão minuciosamente técnica, pode se parecer tanto com uma coreografia. Cada golpe, cada desequilíbrio, cada queda tem um ritmo próprio — um tempo de espera e um tempo de explosão. Entre todos os movimentos que aprendi ao longo dos anos, nenhum me marca tanto quanto o Uki-goshi, o golpe do quadril flutuante.

JUDÔ

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Entre todos os golpes que aprendi no judô, o Uki-goshi é o que mais gosto de aplicar. Talvez porque tenha sido o primeiro que consegui fazer com uma certa fluidez, ainda nos treinos iniciais. Talvez porque ele exige mais jeito do que força. Ou talvez porque, com ele, aprendi que derrubar não é empurrar com raiva, mas conduzir com precisão.

Para quem não conhece, o Uki-goshi é um dos gokyo clássicos — aqueles ensinados desde os tempos de Jigoro Kano, o fundador do judô. É um golpe simples, à primeira vista: você gira o corpo, encaixa o quadril, e projeta o oponente com leveza. Mas é justamente essa leveza que o torna especial. Não é uma projeção bruta, não é um arremesso. É quase um convite: “venha comigo, e juntos tocaremos o chão”.

O nome significa algo como "quadril flutuante", e isso já dá uma pista sobre o espírito do movimento. A mecânica é simples, mas exige sincronia: com a pegada alta na gola do adversário e a mão oposta na manga, você atrai o uke (o parceiro que vai ser projetado) para si. Gira o corpo, encaixa o quadril ligeiramente à frente dele — mas não precisa cruzar completamente como em outros golpes como o o-goshi ou o harai-goshi. O contato do quadril é parcial, lateral. E então, com o desequilíbrio já criado, você faz uma alavanca sutil e projeta o adversário por sobre esse apoio mínimo.

O que me encanta no Uki-goshi é justamente isso: não é força, é momento certo. Quando bem executado, ele parece leve. É quase como se o adversário escorregasse sozinho por sobre o quadril, sem que você precisasse fazer esforço. Mas para isso acontecer, é preciso perceber o instante exato em que o outro está desequilibrado — e isso exige atenção, sensibilidade e prática.

No começo, eu tentava girar rápido demais, ou empurrava com o braço, ou encaixava o quadril fundo demais. Com o tempo, fui entendendo que o Uki-goshi não é sobre ocupar espaço, mas sobre criar um vazio para o outro cair dentro dele.

O Uki-goshi me ensinou mais do que um movimento eficaz. Ele me ensinou sobre timing, sutileza, presença. Diferente de outros golpes de quadril, que exigem um encaixe profundo, o Uki-goshi pede delicadeza. Ele exige escuta. É preciso sentir o peso do outro, o centro de gravidade, a hesitação no passo. E então, no momento certo, oferecer uma mínima superfície de apoio — o suficiente para desequilibrar e guiar.

Talvez seja por isso que me identifico tanto com esse golpe. Ele não vence pela força, mas pela compreensão do momento. Ele não se impõe, ele se oferece. Como na boa arte, ou na boa escrita, o Uki-goshi não grita: ele sussurra, mas com firmeza.

No cinema, quando penso na direção de arte de uma cena sutil, onde os objetos contam mais do que os diálogos, vejo ali algo do Uki-goshi. Um empurrão quase invisível, mas que muda o rumo da história. E na sala de aula, quando um aluno entende uma ideia difícil porque foi conduzido com cuidado, sem pressa, sem imposição — também ali vejo o espírito do Uki-goshi.

Hoje, sempre que volto ao tatame, é esse golpe que busco refinar. Mesmo depois de anos, ele continua me desafiando. Porque o Uki-goshi, como muita coisa na vida, parece simples. Mas quanto mais a gente pratica, mais percebe que a verdadeira maestria está na leveza com que se faz o essencial.

Talvez seja por isso que gosto tanto dele. O Uki-goshi me ensina que, muitas vezes, as coisas funcionam melhor quando a gente não força a barra. Que existe uma inteligência do corpo, uma escuta silenciosa do movimento do outro, e que quando isso se alinha, tudo flui. No tatame, como na vida, aprender a cair (e a fazer cair) com leveza é uma grande lição.