Os Historiadores e a Cultura Material por Pedro Paulo Funari

RESENHA do artigo: FUNARI, Pedro Paulo. Os historiadores e a cultura material. In: PINSKY, Carla Bassanezi (organizadora). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008.

LEITURAS

Marcus Figueiroa

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Pedro Paulo Funari nasceu em São Paulo capital, em 1959 (tem 65 anos). É bacharel em História desde 1981, tornou-se mestre em Antropologia Social em 1986 e doutor em Arqueologia em 1990, sempre pela USP. Em 1996 tornou-se livre-docente em História e em 2004 Professor Titular da Unicamp, onde desde 2014 coordena o NEPAM- Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambiental.

É professor de programas de pós da UNICAMP e da USP, e convidado de Universidades nos EUA, Canadá, Inglaterra, Espanha, Portugal e Argentina. Líder de grupo de pesquisa do CNPq, assessor científico da FAPESP, foi colaborador da UFPR, UFPel, docente da UNESP entre 1986 e 1992, e professor de pós na UFRJ.

Tem experiência na área de História e Arqueologia, com ênfase em História Antiga e Arqueologia Histórica, além de Latim, Grego, Cultura Judaica, Cristianismo, Religiosidades, Ambiente e Sociedade, Estudos Estratégicos, Turismo, Patrimônio, Relações de Gênero, Estudos Avançados. Participa do conselho editorial de mais de 50 revistas científicas estrangeiras e brasileiras. Publicou e organizou mais de 90 livros e reedições e de 250 capítulos em vários países, assim como mais de 580 artigos, resenhas e notas em mais de 130 revistas científicas estrangeiras e brasileiras. Foram publicadas mais de 70 resenhas de seus livros, mais de 30 delas em revistas estrangeiras de ponta.

Uma das suas contribuições diz respeito a arqueologia histórica publicando vários textos em português fornecendo a literatura necessária para a base acadêmica dos alunos da área.


De acordo com Funari, enquanto a História centra suas investigações sobre os documentos escritos, a Arqueologia tem como fonte primordial a materialidade, especialmente a partir da leitura estética dos objetos. Para o professor, a História pode ser definida como o estudo do passado por meio de documentos.

Este estudo do passado, no entanto, deriva de uma busca da compreensão do presente e se a História dos antigos, Heródoto e Tucídides por exemplo, a pesquisa da História (ou das Histórias) busca aprender com o passado sobre as origens de questões do seu tempo e tirar delas lições e exemplos práticos, a História dos modernos, até o século XIX, diferenciava-se daquela sobretudo pelo cunho moralista e teleológico frutos da tradição cristã. E é no contexto da luta iluminista contra as concepções religiosas do mundo, que surge a História como disciplina científica que conhecemos atualmente.

A História surge como parte, ou consequência, da Filologia, o estudo da língua, e a grande revolução epistemológica é a ideia de que a História se faz com documentos e que deve-se conhecê-los muito bem para torná-los as fontes da interpretação do que realmente aconteceu.

No contexto iluminista e positivista (séc. XIX) da criação da disciplina História que conhecemos hoje, a definição de documento foi muito centrada no texto escrito. Tanto que até hoje nos referimos com naturalidade as sociedades sem escrita como "Pré-Históricas".

A Arqueologia surge no mesmo contexto (séc. XVIII e IX), porém como uma "serva" da História, focada no universo material, principalmente estético, mas principalmente como comprovação e ilustração dos documentos escritos. "O que restou do passado", o que hoje nos referimos como cultura material.

"A Arqueologia tem como fonte primeira a materialidade, as coisas no mundo tal como elas existem."

Verdade é que os antigos, já faziam uso das fontes materiais, da pesquisa de campo, da observação das paisagens e da tradição oral. Mas, o predomínio da preocupação dos historiadores modernos com o documento escrito marcaria a maneira como a Arqueologia foi encarada, por muito tempo, como uma disciplina auxiliar, como uma fonte complementar apenas e às vezes como mera ilustração do discurso histórico. Segundo o autor, a Arqueologia deriva da História, tendo surgido como uma maneira de se disponibilizar as fontes escritas sobre o passado e de complementar as informações existentes com evidências materiais sem escrita e é apenas no século XIX, como resultado da Filologia e da História, que a cultura material ganha o status de uma fonte histórica. Tudo que antes era coletado como objeto de coleção, passou a ser considerado “fonte” de informação, capaz de trazer novos dados, indisponíveis nos documentos escritos.

A esta altura, com a formação de museus e arquivos públicos, esses artefatos reunidos já não eram coleções privadas de antiquário e civilizações sem escrita ou com escrita não decifrada até recentemente, como a maia, da América Central, passaram a ser objeto de atenção de historiadores que se valiam para seus estudos de fontes primárias como artefatos, transportados e custodiados pela nova aventura imperialista dos grandes estados.

Coerentemente com o cientificismo da época foram sendo criados métodos para esse trabalho arqueológico. As escavações arqueológicas surgidas no século XIX se preocupavam com o registro detalhado de tudo que era descoberto, o desenho das estruturas e dos objetos e até mesmo o descarte, criterioso, adotava os parâmetros da ciência História.

Ao longo do século XX, ambas, História e Arqueologia, passaram por movimentos que as motivaram a expandir as noções de documento. As duas se abriram a uma multidisciplinaridade cada vez maior, o que por um lado confirmou o status de ciência da Arqueologia, e por outro flexibilizou e complexificou as suas fronteiras.

Se no estudo de História Antiga o número de documentos escritos tende a ser restrito e sem novas descobertas, a Arqueologia, pelo contrário, revela novas evidências todos os anos. O que a torna imprescindível para o historiador por permitir reavaliar continuamente a História daquele período.

No estudo contemporâneo, em compensação, a quantidade de documentos escritos é inesgotável e é inevitável que o arqueólogo se referencie pelos estudos históricos como fornecedores do contexto do momento estudado e pelas Ciências Sociais como fornecedora de modelos das sociedades e grupos humanos.

Embora tenham surgido como estudo do passado, ambas se aproximam cada vez mais do presente, no Brasil por exemplo, as pesquisas sobre a repressão e a resistência nas ditaduras do século XX, em que a Arqueologia e a História caminham juntas. As pesquisas sobre o Quilombo Dos Palmares e sobre Canudos são outros exemplos.

A Arqueologia permite leituras que escapam do ideológico pois suas fontes são basicamente involuntárias, criadas sem intenção, independentes da vontade das pessoas - ao contrário dos documentos escritos, que têm a pretensão de existir no futuro - e acessam a realidade de camadas sociais que os documentos escritos não atingem. O que tornou-se fundamental para a pesquisa histórica, se queremos realmente exercitá-la a contra-pêlo. Uma História que realmente se abriu a diversidade de fontes.

Escrever o resultado de uma pesquisa arqueológica não escapa de ser uma narrativa, borrando ainda mais a fronteira entre elas neste lugar.


OUTRAS FONTES

SITE Plataforma Lattes

https://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do

SITE do Instituto De Filosofia E Ciências Humanas Da Unicamp

https://www.ifch.unicamp.br/ifch/colaboradores/historia/643/Pedro%20Paulo%20Abreu%20Funari

SITE Wikipedia

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Paulo_Funari

ENTREVISTA de Funari para Mônica Silveira na TV UNIVESP em 8 de out. de 2014

https://youtu.be/W88EycSnMhA?si=lGKe4RlCAqi8LApW