O debate racial no processo de consolidação da Sociologia no Brasil
Uma tentativa de explicação do lugar do debate racial no processo de consolidação da disciplina sociológica no país, partindo do debate sobre sociologia brasileira no texto de Liedke Filho, "A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios", lido como bibliografia do curso de Introdução à Sociologia, ministrado pelo professor Michel German no IFCS - UFRJ no segundo semestre de 2022.
LEITURAS
Marcus Figueiroa
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O debate racial, posto que a questão da identidade nacional é transversal a todos os períodos de desenvolvimento da sociologia brasileira, esteve sempre no centro dos debates - Hora como protagonista, hora no bojo de análises econômicas, tratada à sombra da teoria marxista por exemplo - através das etapas pelas quais se consolidou a sociologia brasileira e até hoje, talvez a proeminência do sociólogo militante negro Jessé Souza atualmente seja uma das evidencias disto.
Desde o começo do pensamento sociológico brasileiro - tratada por vieses positivistas, cientificistas, evolucionistas ou deterministas - sob o impacto das ideias dominantes nos circuitos intelectuais europeus e norte americanos, o debate racial se concentrou na questão da identidade nacional. Essa, junto com a formação do Estado Nacional eram o problema a resolver, no que Enno Liedke chamou de "O período dos Pensadores Sociais, também chamado por alguns autores de período pré-científico, corresponde historicamente ao período que se estende das lutas pela Independência das nações latino-americanas até o início do século XX."
No Brasil os principais nomes do debate nesta geração, Nina Rodrigues e Silvio Romero - que representam as principais correntes do nascente pensamento sociológico sobre o Brasil, identificam a mestiçagem como fator determinante para o desenvolvimento da identidade nacional. Um com uma tese cientificista que entende a mestiçagem como um fator degenerativo da raça e o segundo, cuja tese - que parte de um certo darwinismo social - enxerga a mestiçagem como um processo de diluição dos fatores negativos da genética negra que terminará com o predomínio da raça europeia. O que chega a justificar políticas de estado envolvendo imigração exclusivamente branca, no início do século XX.
O segundo quartel do século XX marca o despontar de uma segunda geração de pensadores, estes já fruto da criação de Cátedras de Sociologia em Escolas Normais no Brasil - Liedke chama este período justamente de “Sociologia de Cátedra” - com a preocupação de desenvolver uma ciência robusta e um pensamento genuíno. Gilberto Freyre com o incontornável “Casa Grande & Senzala”, revela ao mundo uma impactante tese otimista da miscigenação racial no Brasil. Sérgio Buarque de Holanda corrobora com a teoria do “homem cordial” no também marcante “Raízes Do Brasil”, e dá ao elemento indígena na discussão uma nova importância. Inaugura-se a ideia de “Democracia Racial”. A mestiçagem como o principio da originalidade brasileira.
Liecke descreve a virada da sociologia brasileira ao final da década de 1950 para o que ele chama “o período da Sociologia Científica”. Há uma marca importante na preocupação em estruturar a sociologia como ciência, disciplina e instituição. Mas, vale mencionar, neste contexto, um autor importante para o tema, Guerreiro Ramos, que faz uma revisão crítica dos estudos sobre o negro no Brasil até então e denuncia o tratamento do negro como mero tema de pesquisa no bojo de sua luta por uma sociologia “autêntica".
Outro autores fundamentais como Florestan Fernandes, por exemplo, tendem a subordinar as questões raciais às de classes sociais, ou como Fernando Henrique Cardoso que nas palavras de Liedke "propunha que o problema teórico central para qualificar a sociedade capitalista-escravista brasileira era a relação entre a forma capitalista mercantil do sistema econômico mundial e a base escravista das relações de produção.” (Liedke Filho, 2005, p. 40).
O período de transição democrática deu lugar de destaque às demandas dos movimentos sociais, entre elas as demandas raciais já bem organizadas nas décadas anteriores - me permito aqui referir a intelectuais como Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez, além do já referido Guerreiro Ramos, por exemplo.
Liedke destaca a influência marcante de intelectuais europeus contemporâneos nas abordagens mais recentes como "as de Bourdieu, Foucault, Giddens, Elias e Habermas, cujas obras, assim como as releituras de Weber, são debatidas e utilizadas como referências em ensaios e pesquisas.” (Liedke Filho, 2005, p. 54). Referências que trazem temas caros à formação de identidade e, como descolonialismo, pós-colonialismo, pós-modernidade, multiculturalismo entre os mais significativos, que se desdobram no brasil em temas como o racismo estrutural, um tema de grande atenção atualmente.
BIBLIOGRAFIA
LIEDKE FILHO, Enno D. A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. in: Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n 14, jul/dez 2005, p. 376-437.